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segunda-feira, 7 de junho de 2010

Oratória forense penal

 

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Mas uma vez venho aqui dedicar-me a alguns conselhos emprestados. Os tomo desta vez do magnífico criminalista italiano Enrico Ferri (Lombardia It. 1856/1929) que fez estudos maravilhosos de suas próprias sustentações e trabalhos. Vejamos o que diz o ilustre professor nos idos de 1898 na introdução de seu “Defesas Penais e Estudos de Jurisprudência”:

“Do mesmo modo, como não se aprende o raciocínio reto e sagaz nos tratados de lógica, tampouco aprendemos eloquência nos tratados sobre a arte de falar. Nada está tão desmentido pela realidade quanto o velho ditado: o homem nasce poeta, torna-se orador.

Não! Assim como para ser poeta não basta dar vazão, de forma livre e instintiva, à sentimentalidade interior, também para ser orador não basta aprender os preceitos sobre o modo de fazer preâmbulos, figuras retóricas e pequenos discursos.

Tanto para o poeta como para o orador, o “impulso irresistível” acha-se na disposição inata. Trata-se apenas de, com o estudo, e acima de tudo, com o exercício prático, desenvolver, reforçar e disciplinar esta disposição cerebral inata para a poesia, ou para a oratória.

(...)

Mas o que posso dizer aos jovens advogados, aos quais estas informações de prática profissional possa ter interessado, é que para vencer o pânico e soltar a língua, para alcançar uma expressão eficaz, mais do que os exercícios físicos ou as regras acadêmicas, importa o conhecimento.

Ter idéias na cabeça, isto é, coisas para dizer: eis o primeiro grande segredo da eloquência.

E para a eloquência forense – além das idéias gerais de sociologia, psicologia e direito -, conhecer a causa é outro segredo mágico, se queremos ser sugestivos e aplicar o preceito de Aulo Gellio, de que o discurso deve sair “não da boca, mas do peito”.

Conhecimento seguro da causa, coadjuvado por idéias sociológicas e, principalmente psicológicas: eis os dois animadores da eloquência forense, a qual dificilmente poderão aspirar aqueles que tem o cérebro mobiliado apenas com fórmulas judiciárias abstratas, úteis muitas vezes, e necessárias, algumas, mas em proporção e frequência infinitamente menores do que as noções de psicologia normal e criminal e de sociologia, que constituem hoje um formidável arsenal de guerra nas lutas forenses, e uma fonte inesgotável e poderosa de persuasão.

(...)

Mais vale uma grama de observações e induções positivas sobre delitos e delinquentes, que uma arroba de teorias clássicas abstratas, redutíveis sempre a uma modesta regra de direito, mumificada em alguma sentença, útil apenas para interpretar uma ou outra expressão de um artigo de lei.

(...)

Cada advogado deve, naturalmente, seguir o método de preparação mais condizente com seus hábitos e conhecimentos pessoais, todavia, a título de exemplo a ser seguido ou modificado, direi que meu método de tratar as causas é o seguinte:

Geralmente quando, as vésperas da sustentação, sou chamado por um colega que já se ocupou da causa durante a fase de instrução, a causa se me apresenta tal como está no processo escrito. Procuro, então, estudá-lo por inteiro, porque muitas vezes, de circunstâncias mínimas ou secundárias, surgem idéias inesperadas e impressões utilizáveis depois na audiência, sobretudo em processos de prova incidiária.

A primeira impressão está sempre mais próxima da verdade: parece-me útil resistir aquela auto-sugestão que pouco a pouco envolve o advogado, a ponto de faze-lo perder de vista perigos e os pontos débeis da causa que a primeira impressão mostrara, dando-lhe ilusões que alguns, entretanto, consideram úteis para adquirir aquela “fé na causa”, que é o segredo, não tlves da oratória, mas da eficácia sugestiva.

(…)

Pois para persuadir os juízes – ou jurados – é necessário perceber e adivinhar qual é o seu pensamento, a sua impressão sobre a causa, não apenas no início, mas durante todo o debate e depois da sustentação. Por isso não temos bússola melhor que a primeira impressão, que também nós – a primeira vista – recebemos ao ler o ato de acusação e o processo escrito.

(…)

Definidas as partes principais da defesa, segundo a índole da causa, escrevo para mim as grandes linhas e os pormenores essenciais do fato, sobre algumas fichas de apontamentos sinóticos, oportunamente classificados com a ajuda de lápis coloridos. Procedimento que facilita e ajuda a trazer a memória, ordenadamente, as coisas que devem ser ditas.

Quanto à forma, creio que confiar na improvisação torna a palavra mais viva, palpitante e eficaz. É necessário pensar antecipadamente em cada uma das partes da defesa: na idéia que servirá como introdução tando quanto na que deverá fechar o discurso, e no encadeamento dos argumentos, primeiramente para contradizer a acusação e, em seguida, nos argumentos da defesa.

Quanto a expressão verbal destas idéias (exceto alguma frase mais típica e apropriada a causa), creio que se deva absolutamente deixa-la a improvisação, quanto o cérebro, inflamado pelo próprio trabalho incessante, espalha centelhas mais brilhantes do que as frases buriladas a frio, sobre a mesa de trabalho, longe da atmosfera vibrante do público e dos julgadores.

(…)

E nos ataques aos adversários, que não haja rancor pessoal – que nunca deve existir -, pois nem se falseie a verdade – que jamais devemos trair -, pois o advogado pode calar uma verdade contrária, mas não deve dizer algo que não seja verdadeiro. É preciso dizer tudo com franqueza e energicamente.

Para que o julgador cheque a mudar suas primeiras impressões são-lhe necessárias energia intelectual e coragem moral; desta energia e desta coragem deve, antes de qualquer outro, dar exemplo o defensor, dizendo por inteiro e abertamente o próprio pensamento, sem reticências e sem subentendidos, com fé obstinada na vitória, que, já dizia Garibaldi, é o coeficiente mais forte pra qualquer vitória.

(…)

Resumo todas as minhas recordações e todos meus conselhos dizendo que uma defesa penal, para ser poderosa, deve não apenas ser pronunciada, mas também vivida, com relâmpados cerebrais e palpitações do coração.

Entre as mais ardentes lutas da vida intelectual e moral estão as judiciárias: são como o reflexo ainda cálido e comovente dos dramas verdadeiros da vida social, acrescentando-lhe ainda a aguda, vibrante emoção da incerteza sobre o êxito do processo, sempre esperado e conhecido ansiosamente, mesmo quando não se acha envolvido entre os tormentos e a febre de um erro judiciário.

Profissional entusiasmando, nem por isso esqueço os votos, correspondentes as minhas convicções científicas, segundo as quais, na justiça penal do futuro, acusação e defesa deixarão de ser um esplêndido e, por vezes, artificioso exercício de fascinante eloquência, para transformar-se em severa busca das causas determinantes do delito, tornando mais segura e menos bárbara a missão de preservar a sociedade da criminalidade.”

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