Não há dúvidas que neste exato momento, o mercado financeiro e de capitais está instável, provocando turbilhões em todos aqueles que investiram ativos financeiros (dinheiro, ações ou títulos) ou, que de certa forma, dependem desse jogo financeiro.
Recentemente, com a explosão da crise internacional, vieram à tona diversas discussões acerca dos “contratos de derivativos”, vez que boa parcela das médias e grandes empresas vinha se utilizando de tal prática. Chamado por todos de um “Tipo de Aposta”, os contratos de derivativos são valores vinculados às mudanças de preços dos valores mobiliários a que estão atrelados, ou seja, operações financeiras que derivam de um determinado ativo e que são realizadas no mercado futuro ou de opções.
No atual desajuste financeiro, várias sociedades empresárias estão pagando o preço por terem firmado com os bancos esta espécie de contrato. Essas operações vêm fazendo ao longo da crise diversas vítimas, motivo pelo qual aumentaram as demandas no judiciário. Acontece que, não há jurisprudência sobre essa espécie de contrato em nosso ordenamento pátrio e os precedentes existentes anteriormente sobre prejuízos oriundos de desvalorização cambial ainda não foram julgados sob a égide do novo Código Civil.
Apesar disso, podemos aplicar algumas teorias em busca de uma solução, evitando a quebra ou falência das empresas que hoje passam por esse tormento financeiro. A boa-fé objetiva, a função social do contrato e a teoria da imprevisibilidade, são algumas das teorias das quais devemos utilizar in casu.
Em apertada síntese, podemos definir boa-fé objetiva como um padrão de comportamento considerado leal pela sociedade, uma regra de conduta que implica em uma relação de confiança mútua. É oportuno ainda mencionarmos que a boa-fé objetiva possui as seguintes funções: interpretativa, corretiva, limitativa e supletiva.
A teoria da imprevisão, ou rebus sic stantibus, autoriza a revisão do contrato quando ocorrem acontecimentos novos, imprevisíveis pelas partes e a elas não imputáveis repercutindo sobre a economia ou na execução do contrato. Isto é, são acontecimentos extraordinários que alteram a economia do contrato, lesando seu equilíbrio.
Hoje, após reiterados julgamentos dos tribunais e, principalmente com o advento do novo Código Civil (2002), não mais se aplica aos contratos, de forma pura e simples, o princípio do “pacta sunt servanda” , embora ainda se mantenha firme a assertiva decorrente dos primórdios do direito de que contratos são feitos para serem cumpridos na forma dos pactos nele inseridos. Para a desconstituição ou alteração de um contrato é de estar comprovado, inequivocamente, o desequilíbrio das condições anteriormente pactuadas, causado por fatores supervenientes imponderáveis para as partes. Deve-se ainda revelar nítida a desproporção entre as prestações contratuais em virtude da exploração de um contratante por outro.
Compreenderam os tribunais e os doutrinadores que o contrato deve ser dinâmico, amoldando-se as condições novas supervenientes a sua celebração. E, para que assim seja, há de afastar a onerosidade excessiva que surja no contrato por decorrência de fatos estranhos a vontade das partes, pela imprevisão. É o que se infere da teoria da imprevisão (Cláusula “rebus sic stantibus”). Esta mitiga o princípio geral do “pacta sunt servanda”, permitindo a revisão do contrato na ocorrência de um fato anormal que o faça se afastar do curso ordinário das coisas e diante da imprevisibilidade de uma das partes.
Assim, no caso em comento, há certeza da aplicabilidade da interpretação corretiva, uma vez que esta procura resolver eventuais desequilíbrios que venham a aparecer na relação jurídica, buscando, assim, manter o equilíbrio contratual. Portanto, por se tratar de revisão por imprevisibilidade nos contratos onerosos e bilaterais, de trato sucessivo ou de execução futura, quando ocorre a uma das partes onerosidade excessiva, gerando lesão objetiva por fato imprevisível, verifica-se a possibilidade de reaver o equilíbrio do negócio jurídico.
Apesar do princípio pacta sunt servanda, a teoria da imprevisibilidade nos termos do artigo 478 do Código Civil, prevê clausula implícita em todos os contratos no sentido que, se as condições externas à época da contratação fossem consideravelmente alteradas, o vínculo contratual poderia ser revisto e resolvido.
Devemos, então, tratar a crise financeira como evento extraordinário e imprevisível, mesmo levando em conta que “desequilíbrio econômico-financeiro” e “crise econômico-financeira mundial” são conceitos dotados de um profundo subjetivismo.
Já a função social estatui que o contrato não pode ser transformado em um instrumento para atividades abusivas, causando dano as partes ou a terceiros. É inadmissível sustentar que o contrato deva atender tão somente aos interesses das partes que o estipulam, já que ele exerce função social inerente ao poder negocial. É necessário que se atribua ao contrato uma função social afim de que ele seja utilizado em benefício dos contratantes e sem conflito com o interesse público.
O equilíbrio contratual deve ser preservado em todas as relações negociais, entretanto, como se constata em diversos contratos de derivativos, verifica-se a existência de limitador de risco somente para as instituições financeiras, ocasionando-se por óbvio o desequilíbrio econômico da operação.
Forma-se através do exposto acima, linha de defesa coesa e concreta para solução de conflitos oriundos de operações com derivativos, constatando a possibilidade jurídica de ingresso ao judiciário na busca da tutela jurisdicional para rever os contratos suspendendo seus efeitos, ou, ao menos limitando a variação das taxas cambiais indexadoras neles inseridas.
Diante dos instrumentos trazidos à baila, fica nítido que os princípios contratuais constitucionais e sociais, tais como, função social, boa-fé e boa-fé objetiva são, hoje, essenciais para a busca do equilíbrio do negocio jurídico.
RENZO BRANDÃO GOTLIB é estagiário do escritório Sette Câmara, Corrêa e Bastos Advogados Associados
Artigo publicado originariamente no portal Consultor Jurídico
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