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domingo, 7 de agosto de 2011

O advogado e a utilização de expressões duras e contundentes na defesa de um cliente

Já atuei na defesa de um colega advogado em que este se viu
processado criminalmente por conta da utilização (no processo) de expressões
duras e contundentes. Revelo o que pude estudar sobre o assunto.

Se o advogado estava no pleno exercício da profissão, falando
em nome do cliente, estando devidamente autorizado a argumentar, ainda que de
forma dura e contundente (é o que ocorre, por exemplo, quando da apresentação de
exceção de suspeição, de juiz ou de promotor; é o que ocorre, por exemplo,
quando se denuncia algum tipo de fraude, praticada por um agente público
qualquer), não se pode – como regra, havendo exceções – considerar presente a
justa causa para instauração de ação penal.

O advogado (trata-se de algo que precisa ser dito), como
convém a qualquer profissional que se orgulhe da advocacia, jamais pode deixar
de atuar PLENAMENTE, fazendo valer o Estatuto da Advocacia (Lei Federal
8.906/94), quando este revela que "Nenhum receio de desagradar a magistrado
ou a qualquer autoridade, nem de incorrer em impopularidade, deve deter o
advogado no exercício da profissão"
(§ 2º do art. 31).

Dentro de limites razoáveis de discussão da causa (porque o
excesso e o que for desnecessário poderá ser punido), não há porque impedir o
advogado de atuar de maneira enfática e grave. Assim agindo, o advogado está
amparado por regras jurídicas da Constituição Federal (art. 5º, XIII, que trata
da LIBERDADE DO EXERCÍCIO PROFISSIONAL, bem como art. 133, que trata do
conhecidíssimo tema da INVIOLABILIDADE PROFISSIONAL DO ADVOGADO, que protege a
liberdade de debate entre as partes do processo) e da Lei Federal 8.906/94
(Estatuto da OAB), que seguidas vezes dá o amparo jurídico necessário a
invalidar a conduta daqueles que querem impedir a atuação corajosa (e não
covarde e omissa) dos advogados, a saber:

* Art. 2º, "caput" ("O advogado é indispensável à
administração da justiça").

* Art. 2º, § 3º ("No exercício da profissão, o advogado é
inviolável por seus atos e manifestações, nos limites da lei").

* Art. 7º, I ("São direitos do advogado",. .. "exercer, com
liberdade, a profissão em todo o território nacional").

* Art. 7º, § 2º ("O advogado tem imunidade profissional, não
constituindo injúria e difamação [01] puníveis qualquer manifestação
de sua parte, no exercício de sua atividade, em juízo ou fora dele, sem prejuízo
das sanções disciplinares perante a OAB, pelos excessos que cometer").

* Art. 31, § 2º ("Nenhum receio de desagradar a magistrado ou
a qualquer autoridade, nem de incorrer em impopularidade, deve deter o advogado
no exercício da profissão").

Como se vê, é ampla e farta a PROTEÇÃO JURÍDICA, dada pelo
legislador ordinário (com suporte na Constituição Federal), quanto ao tema da
INVIOLABILIDADE PROFISSIONAL, que se traduz, em verdade, em "uma significativa
garantia do exercício pleno dos relevantes encargos cometidos pela ordem
jurídica a esse indispensável operador do direito" (STF, HC 69085/RJ, Rel. Min.
Celso de Mello, DJ 26.03.93, p. 6003), não se devendo esquecer, ainda, de que o
próprio Código Penal, no art. 142, prescreve NÃO CONSTITUIR INJÚRIA OU DIFAMAÇÃO
"a ofensa irrogada em juízo, na discussão da causa, pela parte ou por seu
procurador", que acaba por repetir (em dispositivo recepcionado pela atual
Constituição: STF, RHC 69619/SP, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 20.08.93, p.
16319) a tutela da imunidade judiciária do advogado.

Para ilustrar, eis os julgados que bem revelam a
inexistência de justa causa
para ações penais em torno do assunto:

"RECURSOS DE ‘HABEAS CORPUS’. ADVOGADO. DENUNCIAÇÃO
CALUNIOSA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. I – A denúncia, no que respeita ao
paciente, não vai além de suposições. II – Inexiste justa causa para ação
penal, se o advogado limitou-se a agir obedecendo a orientação do cliente. O
mero exercício de um múnus público, sem desvio ou excesso, não pode ensejar
a responsabilidade criminal" (STJ, RHC 0908/90/SP, Rel. Min. Jesus Costa
Lima, DJ 17.12.90, p. 15389).

"O advogado não pode ser responsabilizado quando atua
como intérprete de seu cliente, que assume a autoria das expressões
utilizadas na petição inicial" (RT 632/319).

"Não pratica calúnia o advogado que transcreve, em
defesa, fatos a ele passados por seus clientes" (TACrSP, ap. 931.083, j.
7.6.95, Bol. AASP nº 1.934).

Caracterizada está, pois, a inviabilidade, como regra,
de ações penais que visem combater o que argumentou o advogado, ainda que de
maneira dura e contundente, quando necessário. Advogado algum, portanto, deve se
submeter ao exagero de uma ação penal, porquanto é certo (e é o direito
positivo que assim revela
) que as regras jurídicas acima citadas RESGUARDAM
A LIBERDADE DE EXPRESSÃO DO ADVOGADO, algo indispensável ao pleno exercício de
suas funções, inviolabilidade, aliás, "cujo destinatário é menos o advogado,
e mais a sociedade que se vale dos seus serviços"
(Gisela Gondin Ramos,
"Estatuto da Advocacia", Ed. OAB/SC, 1999, 2ª ed., p. 106).

Diante dessa demonstração, claro está que não pode o advogado
ser processado criminalmente pelo que disse em nome do cliente, sendo caso de
ser considerado, também, quanto à ATIPICIDADE do fato, aquilo que é
repetidamente decidido pelos Tribunais, a saber:

"Nos crimes contra a honra, o lado subjetivo do ilícito
merece exame profundo. No que se refere à calúnia, exige-se que a intenção
de lesar ou ofender a honra alheia fique cabalmente demonstrada. Assim há de
ser porque o fato tomará caráter de licitude ou ilicitude, segundo intenção
com que o agente o praticou" (RT 603/305).

"Não há calúnia sem o dolo e o ‘animus defendendi’ não se
concilia com o dolo. Logo, onde não há o fim de ofender não há calúnia" (RSTJ
41/309).

"A intenção de defender (‘animus defendendi’) neutraliza
a intenção de caluniar" (RT 634/331).

"Para configuração dos delitos contra a honra, não basta
que as palavras sejam proferidas para tal fim, sendo certo que não age
dolosamente quem é impelido pela vontade de relatar as irregularidades que
supõe existentes" (TACrimSP, Rel. Vico Manas, RJD 25/406).

"Sem dolo específico, ou seja, a intenção de ofender a
honra do atingido, não se tipificam as infrações dos arts. 138, 139 e 140 do
Código Penal" (TACrimSP, Rel. Albano Nogueira, JUTACRIM 57/295).

Possível é, inclusive, sempre com os devidos temperamentos,
ir até um pouco além, como aponta a jurisprudência: "A Lei confere à parte ou a
seu procurador o direito de ofender, na discussão da causa, o ‘ex-adverso’,
pois, na defesa dos interesses particulares, sobreleva necessidade, imperiosa
muitas vezes, e inadiável em outras, de se travar o debate com acrimônia,
deselegância, tudo na tentativa de mostrar a verdade. Na defesa da causa, o
advogado não pode omitir argumento algum, e não são poucas as vezes em que
interesses conflitantes exigem ataques mais violentos" (RT 597/321 – TACRIM,
Rel. Des. Brenno Marcondes).

Assim pode ser entendido, repita-se, porque "A veiculação de
fatos em peças judiciais, com o intuito de lograr provimento favorável, encerra
o ‘animus narrandi’ a excluir a configuração do crime de calúnia" (STF, Inq. n.º
380, Rel. Min. Marco Aurélio).

O magistério autorizado de Cezar Roberto Bittencourt confirma
o que se sustenta:

"O advogado, no exercício de seu mister profissional, por
exemplo, é obrigado a analisar todos os ângulos da questão em litígio e lhe
é, ao mesmo tempo, facultado emitir juízos de valor, nos limites da demanda,
que podem encerrar, não raro, conclusões imputativas a alguém, sem que isso
constitua, por si só, crime de calúnia. Faz parte de sua atividade
profissional, integra o exercício pleno da ampla defesa esgrimir, negar,
defender, argumentar, apresentar fatos e provas, excepcionar, e, na sua
ação, falta-lhe o animus caluniandi, pois o objetivo é defender os direitos
de sue constituinte e não acusar quem quer que seja" ("Manual de Direito
Penal", Parte Especial, vol. 2, 2001, pág. 342).

A alternativa, para casos que tais (indevido envolvimento do
advogado em ação penal), sempre será o "habeas corpus", "instrumento processual
de dignidade constitucional, destinado a garantir o direito de locomoção, não
podendo sofrer restrições em sua admissibilidade ao argumento de ser
incompatível com a necessidade de exame de provas, se estas encontram-se
acostadas à peça exordial e os fatos não apresentam natureza controvertida" (RT
756/517), sendo mesmo cabível a medida "desde que clara a inoportunidade da
acusação, desde que evidente a injustiça da imputação, desde que prontamente
perceptível o desacerto da autoria conferida ao acusado, é o ‘habeas corpus’,
sem dúvida, o remédio para o saneamento deste mal que caracteriza a admissão
inoportuna de ação penal contra quem não fez merecer o constrangimento
decorrente do fato de se ver imerecidamente processado" (RT 644/272).

Para tudo confirmar, eis um recente pronunciamento do
Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso:

"HABEAS CORPUS – TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL – INJÚRIA,
DIFAMAÇÃO E CALÚNIA (ARTIGOS 138, 139 E 140, DO CP) – MANIFESTA AUSÊNCIA DE
JUSTA CAUSA – CONFIGURAÇÃO – EXCESSOS EM PEÇAS PROCESSUAIS – IMUNIDADE
PROFISSIONAL DE ADVOGADO (ART. 7º, § 2º DA LEI N. 8.906/94) – ORDEM
CONCEDIDA. O advogado possui imunidade profissional, não pode ser processado
por eventual cometimento de injúria ou difamação (Lei n. 8.906/94, art. 7º,
§ 2º), salvo se houver comprovação de que cometeu excessos no exercício da
sua atividade. Evidenciado, de plano, que o advogado não agiu com ânimo de
injuriar ou de difamar, tendo inclusive se retratado quanto ao fato descrito
como calúnia, impõe-se o trancamento da ação penal privada, em razão da
manifesta ausência de justa causa para o seu prosseguimento" (HC
2008.015871-4, Rel. Des. Claudionor Miguel Abss Duarte).

Há que se cumprir, portanto, o quanto está contido no
ordenamento jurídico brasileiro, que, bem interpretado, leva à inadmissibilidade
(como regra) de ação penal por conta daquilo que argumentou o advogado no
processo, tendo-se, sempre, em alta conta, o que vem decidindo o STF, quanto a
que há "necessidade de rigor e prudência daqueles que têm o poder de iniciativa
nas ações penais e daqueles que podem decidir sobre o seu curso" (HC 84.409,
Rel. Min. Gilmar Mendes).

Notas

01 A expressão "ou desacato", originariamente contida
neste dispositivo, está suspensa pelo STF, por ter sido considerada
inconstitucional (RTJ 178/67).

Autor
  • André Luiz Borges Netto
    André Luiz Borges Netto

    advogado constitucionalista em Campo Grande (MS), professor universitário, mestre em Direito Constitucional pela PUC/SP

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