Aberto estava indignado esta manhã.
Que lhe teria sucedido? Foi isto: desaparecera-lhe o álbum de colecionar selos.
Procurara-o por tôda parte, esquadrinhara as gavetas, a casa tôda, todos os recantos.
Era extraordinário! Ficou possesso. e, na inconsideração da cólera, acusou logo o Chico - um pobre rapazinho que vivia em sua casa, órfão de pai e mãe. Acusava-o sem fundamento, por simples suspeita.
Infelizmente - é a triste verdade! - Alberto tinha o mau hábito de atribuir ao pobre órfão tudo quanto acontecia de mal em sua casa.
D. Alcina, sua mãe, por várias vêzes já o havia reprendido severamente por causa dessa maldade, dizendo-lhe que nunca se devem fazer acusações leviana, nem mesmo contra um inimigo.
Mas Alberto não se corrigia e continuava a fazê-las contra o coitado do Chico, por uma espécie de vingança, para fazer mal ao rapazinho, com que não simpatizava, pois Chico era muito ajuizado e, sempre que D. Alcina ralhava com o filho,vinha à baila, como exemplo, o correto procedimento do menino.
- Mamãe quer muito bem ao Chico! dizia Alberto, enciumado.
- Pense na sua infeliz condição, meu filho, respondia-lhe D. Alcina: não tem pai, não tem mãe, não temnada no mundo! Vive por favor em nossa casa. É uma sorte tão triste a dêle, que difìcilmente você não está livre dela,meufilho. Reflita. Trate com carinho de irmão essa criança infeliz. Veja como Chico é humilde, como parece envergonhado dos favores que nos deve e como se esforça por ser-nos o menos pesado possível, como procede sempre e sempre de acôrdo com o que he recomendamos. É lá possível não se estimar uma criatura assim?
Pois bem, Alberto, continuou D. Alcina, por mais que eu o admire, por mais que o estime e lhe queira bem, essa amizad está longe de poder comparar-se ao amor que tenho por você, qu eé meu filho! Vê a diferença que há entre ter mãe e não a ter? Entende?
Mas Alberto, carrancudo e cabisbaixo permanecia insensível.
D. Alcina, então, calava-se, entristecida por não conseguir vibrar o coração do filho.
Desta vez, porém, nada lhe disse. Deixou-o que esbravejasse à vontade contra o Chico, que tinha saído a compras.
Quando êste chegava, Alberto ouvindo-lhe os passos no corredor, ia correr ao seu encontro, mas a uma severa ordem da mãe, deteve-se.
- Cale-se! Deixe que o Chico entre, depois conversaremos.
Neste instante, o menino apareceu na sala de jantar, curvado ao pêso da cesta de compras.
D. Alcina fê-lo aproximar e, dirigindo-se a Alberto, disse:
- Meu filho, tantas e tantas vêzes já o tenho repreendido pelo feio costume de levantar falsas acusações contra Chico. Não me tem ouvido. Oxalá sirva-lhe agora de proveitosa lição o que vai saber. Chico é um coração de ouro e um seu amigo, apesar de tantos motivos para odiá-lo.
Chico estava perplexo, de olhos arregalados, sem atinar claramente com as coisas.
- Aqui você tem o álbum de selos, continuou D. Alcina, apresentando o álbum ao filho. Eu o tinha comigo, guardado. Abra-o à página destinada aos selos do japão.
Alberto que, afinal, começava vagamento a prever o desfecho da cena, abriu, com mãos trêmulas, o seu álbum.
Oh! Mais três selos japonêses e justamente dos mais raros!
- Sabe a quem deve êsses selos? Ao Chico, meu filho. Comprou-os com o dinheiro que vem juntando há tanto tempo. Colocou-os aí e deu-me o álbum para guardar. Queria causar a você uma surpresa agradável. No entanto, como é que você ia pagar-lhe essa prova de amizade? Imputando-lhe um furto, caluniando-o!
Alberto, pálido e cabisbaixo, tinha os olhos cheios d'água.
E foi assim que êle estreitou ao peito o pobre Chico, emq uem acabava de reconhecer um amigo admirável...
Este texto e os dois abaixo foram extraídos de uma gramática com a qual minha Avó paterna ensinava na zona rural de São Gonçalo do Pará, Conceição do Pará e Pará de Minas. Obra de Luíz Gonçaga Fleury editada em 1947.
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