COLUNA DO LFG
* As mortes por causa externa “indeterminada”, aquelas cujo exame pericial não é capaz de identificar a razão do óbito (homicídio, suicídio ou acidente), vinham decrescendo desde 2000 no estado do Rio de Janeiro, contudo, entre 2007 e 2009 apresentaram um crescimento vertiginoso. O período coincide com o mandato de Sérgio Cabral.
O número de homicídios no mesmo período caiu 28,7%, passando de 7.099 em 2006 para 5.064 em 2009. Queda suficientemente expressiva para despertar a atenção do economista do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), Daniel Cerqueira, que levou a cabo o estudo sobre as Mortes Violentas Não Esclarecidas e Impunidade no Rio de Janeiro, levando em consideração os padrões de vitimização no estado carioca.
De acordo com as análises feitas no estudo, fundadas no banco de dados do DataSUS (Ministério da Saúde), entre 2000 e 2006 o número de mortes por causa externa “indeterminada” caiu em todo Brasil, de 6 para 5 para cada 100 mil habitantes, bem como no Rio de Janeiro, de 13 para 10 para cada 100 mil habitantes.
No país, esse patamar (5 mortes) se fixou, entretanto, no estado carioca, a partir de 2007 (quando chegou a 20 a cada 100 mil habitantes) o índice passou a aumentar gradativamente, atingindo 22 a cada 100 mil habitantes em 2009, o equivalente a 3.587 mortes indeterminadas.
Assim, naquele ano, com apenas 8,3% da população brasileira (um terço da de São Paulo), o Rio de Janeiro foi responsável por 27% das mortes “indeterminadas” de todo o Brasil. Isso se contabilizando apenas as mortes registradas, vez que muitas delas não chegam sequer ao conhecimento das autoridades.
Diante desta aparente incongruência, o economista Daniel Cerqueira fez uma análise dos padrões de vitimização no estado desde 2000, concluindo que 80% dos homicídios que ocorrem no Rio seriam causados por arma de fogo, sendo que 60% deles ocorrem na rua, em geral contra jovens (20 anos), pretos ou pardos. Já 70% dos suicídios que ocorrem no estado seriam causados por enforcamento, a maioria em residências, envolvendo vítimas brancas, de meia idade (45 anos).
Com base nos dados acima, ou seja, estabelecendo um comparativo entre o número dos homicídios anunciados pelo Rio de Janeiro e as mortes com causa indeterminadas, o estudo concluiu que além dos 5.064 homicídios, teriam ocorrido mais 3.165 “homicídios ocultos” no estado do Rio de Janeiro, totalizando 8.229 homicídios em 2009, 16% a mais do que em 2006.
A crítica realizada pelo economista do Ipea é consistente e as estatísticas retratam coerentemente os resultados obtidos. Os órgãos da segurança pública do estado do RJ estão apurando o fato e negam qualquer tipo de maquiagem ou fraude. Aguardemos.
De qualquer modo, é certo que temos um sistema pericial defasado assim como a coleta desorganizada de dados. Um cenário como este (repleto de dados positivos) aparentemente mascarado e conveniente aos políticos, atravanca ainda mais a elaboração de políticas e medidas preventivas em todas as áreas sociais, como por exemplo na saúde e na segurança pública. Situação no mínimo lamentável!
* Mariana Cury Bunduky é advogada e pesquisadora do Instituto de Pesquisa e Cultura Luiz Flávio Gomes.
Luiz Flávio Gomes é doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri e mestre em Direito Penal pela USP. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), juiz de Direito (1983 a 1998) e advogado (1999 a 2001). É autor do Blog do Professor Luiz Flávio Gomes.
controvezado da Revista Consultor Jurídico, 10 de novembro de 2011
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