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quinta-feira, 19 de março de 2009

DISPOSIÇÃO SOBRE O CORPO

Por: Adriana Silva Naime.

Acadêmica de Direito da Faculdade de Itaúna

Questões éticas são muito difíceis se resolver, uma vez que separar o lado humano do lado profissional, sem um interferir no outro é praticamente impossível.

Quanto ao ato de se dispor do próprio corpo encontraremos opiniões bastante divergentes, uma vez que cada ser humano carrega consigo um tipo de educação, ético, moral e religiosas diferentes.

Até que ponto uma pessoa não pode dispor sobre o seu próprio corpo?

A EUTANÁSIA é a prática pela qual se abrevia a vida de um enfermo incurável de maneira controlada e assistida por um especialista. É também chamada de ´´morte boa``, pois o médico deliberadamente apressa a morte do paciente. Como exemplo podemos citar o caso da francesa que sofria de um câncer que lhe desfigurava o rosto. Ela se encontrava em estado terminal, e sem saber quando terminaria o seu mártirio, pediu que lhe antecipassem a morte. Só é eutanásia a morte provocada em doente com doença incurável, em estado terminal e que passa por fortes sofrimentos, movida por compaixão ou piedade em relação ao doente. Temos também a DISTANÁSIA ou “intensificação terapêutica”. É etimologicamente o contrário da eutanásia. Consiste em atrasar o mais possível o momento da morte usando todos os meios proporcionados ou não, ainda que não haja esperança alguma de cura, e ainda que isso signifique infligir ao moribundo sofrimentos adicionais e que, obviamente, não conseguirão afastar a inevitável morte, mas apenas atrasá-la umas horas ou uns dias em condições deploráveis para o enfermo. Vale-se do progresso da medicina, procrastinando a morte. Por fim temos a ORTOTANÁSIA, que significa etimologicamente, morte correta: orto: certo, thanatos: morte. Significa o não prolongamento artificial do processo de morte, além do que seria o processo natural.

Na situação em que ocorre a ortotanásia, o doente já se encontra em processo natural de morte, processo este que recebe uma contribuição do médico no sentido de deixar que esse estado se desenvolva no seu curso natural. Entende-se que o médico não está obrigado a prolongar o processo de morte do paciente por meios artificiais sem que este tenha requerido que o médico assim agisse. Além disso, o médico não é obrigado a prolongar a vida do paciente contra a vontade deste. Aplica-se a chamada terminalidade de vida, há uma limitação do tratamento. Medicamentos são administrados apenas para amenizar o sofrimento do paciente. Suspende qualquer procedimento que prolongue a vida de paciente terminal, mantendo a aplicação de sedativos que lhe amenizem a dor, ela acontece naturalmente. A prática da ortotanásia ocorre por vontade explícita do próprio paciente ou de seus familiares.

Para o Código Penal brasileiro a eutanásia e a ortotanásia são crimes de homicídio, tendo sua tipificação legal no artigo 121 do CP. A ortotanásia é conduta atípica frente ao Código Penal, pois não é causa de morte da pessoa, uma vez que o processo de morte já está instalado.

Segundo Nelson Rosenvald:

´´O homicídio só existe na eutanásia, diante da antecipação do processo de morte da pessoa. Quanto a ortotanásia a morte só ocorrerá no momento que deveria acontecer.``

Devemos salientar que até religiões já defendem a ortotanásia, inclusive o próprio Vaticano, como ocorreu por ocasião da morte do papa João Paulo II, que optou em suspender todas as intervenções alternativas para sua sobrevida e decidiu receber simplesmente medicação que aliviasse a sua dor, o seu sofrimento, na sua própria residência.

A Constituição Federal em seu artigo 5° defende o direito à vida, entre outros. Mas a partir de um enfoque ético e jurídico estamos diante da defesa da vida vivida com dignidade, pois o contrário disso é a tortura, que é crime e também têm sua tipificação no Código Penal brasileiro.

No mês que vem o STF - Supremo Tribunal Federal, estará votando a ADF (Argüição de Preceito Fundamental) nº 54 que poderá permitir a interrupção da gravidez de fetos com anencefalia, desde que o ato seja praticado por médico habilitado, e com o consentimento da gestante.

A anencefalia consiste em má formação rara do tubo neural acontecida entre o 16º e o 26º dia de gestação, caracterizada pela ausência parcial do encefálo e da calota craniana, proveniente de defeito de fechamento do tubo neural durante a formação embrionária.

Conforme o artigo 128 do CP, somente :

Não se pune o aborto praticado por médico:

Aborto necessário:

I – se não há outro meio de salvar a vida da gestante;

Aborto no caso de gravidez resultante de estupro

II – se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.

Quando o Código Penal permite o aborto somente nos casos supra citados, ele fere mais um princípio constitucional. A celeuma que envolve a polêmica sobre quando se dá o início da vida é grande. Assim defende Nelson Rosenvald:

´´Podemos não saber quando se dá o início da vida, mas sabemos quando ela termina: com a morte cerebral. Quanto ao anencefálo, ele é uma vida inviável, portanto estamos diante de outra atipicidade, desta vez o Artigo 128 do Código Penal. No caso do anencefálo em questão, ninguém está causando a morte de ninguém, pois ela nunca existiu, não é aborto e sim antecipação terapêutica do corpo.``

Rosenvald foi extremamente coerente com na sua colocação, pois, não devemos mencionar em suprimir vida onde ela nunca existiu, até o código penal, em uma de suas abordagens condena a quem suprimir um instante de vida de alguém, o que não é o caso do anencefálo.

Como mencionado anteriormente submeter o ser humano a tortura é crime. Somente quem é mãe sabe com que ansiedade o exame de ultrasonografia (morfológico) de gravidez é aguardado. Receber a triste notícia de estar grávida de um anencefálo, e não poder antecipar a sua retirada é no mínimo desumano. É estar criando expectativas na gestante que não se concretizarão. Neste caso a mulher passa a ser instrumentalizada pelo Estado. A legislação jamais deverá obrigar a mulher a retirar o seu filho, mas diante das condições de inviabilidade da vida deste ser e dos riscos que a mulher corre, lhe deveria ser facultado o direito de escolher entre manter esta situação até o parto ou antecipá-lo. Mais degradante será a situação de dar a luz (se há que há luz) a um ´´serzinho`` contemplá-lo, como toda parturiente faz, e em pouquíssimo tempo assistir passivamente a sua morte, sem nada mais poder fazer. Isto sim, seria a tortura das torturas!

A Constituição Federal preceitua em seu art. 196.

A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantindo mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.

Estamos mais uma vez diante de uma violação da disponibilidade consciente do indivíduo de dispor sobre o seu próprio corpo. O Estado de direito que se intitula pluralista e laico deveria no mínimo respeitar a posição das pessoas acometidas pelas fatalidades da vida, acima descritas, proporcionando assim ao ser humano se auto determinar e escolher seus próprios caminhos.

Como fora mencionado anteriormente, cada um de nós tem uma bagagem cultural, pautada em princípios éticos, religioso e morais variados, portanto, a partir do que foi explanado, cada um poderá ou não concordar com a defesa apresentada neste artigo. O mais importante é despertar dentro de nós um debate pautado na garantia dos direitos individuais, tão amplamente debatido, e tão pouco respeitado.

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