Brasília, 31/03/2011
os grifos são meus
“Um ensino jurídico não qualificado compromete a formação dos operadores do Direito e o advogado bem preparado é e será sempre sinônimo de uma Justiça melhor”.
A afirmação foi feita hoje (31) pelo presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante, ao abrir o II Seminário de Educação Jurídica, que acontece até amanhã na sede do Jockey Clube do Rio de Janeiro. No seu discurso de abertura, Ophir lembrou que a advocacia e a sociedade ainda sofrem com a existência de instituições de ensino que continuam a cometer estelionato educacional com os jovens que, com sacrifício, freqüentam e pagam um curso de Direito confiando que um dia terão o conhecimento necessário para se tornarem advogados. “Quando termina o curso e se submete ao Exame de Ordem ou a um concurso, o candidato é reprovado. Ou seja, no final ele verifica que tem um diploma na mão, mas que não vale nada”.
Com base nessa realidade, Ophir lembrou que a OAB tem criticado com veemência esse tipo de instituição de ensino porque o país necessita de advogadas e advogados preparados à altura da missão que os aguardam.
“Atualmente, há mais de mil cursos de Direito no Brasil e devemos reconhecer que o descompasso entre a qualidade do ensino contribui para desmerecimento das profissões jurídicas como um todo.” “Não somos contra o ensino; somos contra o mau ensino jurídico”.
O papel da OAB, segundo Ophir, não é apenas o de se preocupar com a qualidade de ensino recebido por aqueles que estão ingressando no mercado, mas também com os advogados já formados. Ophir destacou que, após o bacharel obter o seu certificado e ser aprovado no Exame de Ordem, a questão em torno do ensino jurídico passa a ser não só de responsabilidade da OAB, mas de todos. “É neste ponto que cresce em importância o papel da OAB no sentido de criar instrumentos que ensejem uma permanente e eficiente capacitação de seus inscritos, dando a eles condições de conhecimentos que permitam transformá-lo no agente social de uma adequada postulação judicial”, afirmou, ao ressaltar a importância da educação continuada.
Da sessão de abertura do seminário – que tem como tema central “Necessidades Sociais e Expectativas da Educação Jurídica de Qualidade” – também participam também o presidente da Seccional da OAB do Rio de Janeiro, Wadih Damous; Luis Fernando Massonetto, secretário de Educação à Distância (representando o ministro da Educação, Fernando Haddad); e o presidente da Comissão Nacional de Ensino Jurídico do Conselho Federal da OAB, Rodolfo Hans Geller.
Veja a seguir a íntegra do discurso proferido pelo presidente nacional da OAB, Ophir Cavalcante:
“Senhoras e Senhores,
Pela importância deste encontro, saúdo os organizadores, palestrantes e convidados, pois se trata de tema por demais caro à Ordem dos Advogados do Brasil, cujo Estatuto, em seu artigo 44, preconiza, dentre as suas finalidades:
“Defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de Direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas”.
Pode-se ver, a partir deste enunciado, a estreita identidade de nossa instituição com o tema central deste Seminário – “Necessidades Sociais e Expectativas da Educação Jurídica de Qualidade”.
Muito tem sido dito e discutido sobre a Advocacia contemporânea, e com freqüência tem sido questionada a qualidade dos serviços prestados pelos profissionais em virtude de uma também questionada queda de qualidade do ensino jurídico.
Passa, desse modo, o ensino jurídico a assumir um papel de alta relevância, porém menos como um serviço educacional e mais como uma atividade voltada para o progresso da sociedade, da cidadania e acesso à Justiça.
Os Cursos de Direito atraem o maior número de alunos no País, além de ser a área que oferece maior campo de trabalho, pela diversidade e amplitude das atividades que gera, abrangendo todos os setores, em se tratando do exercício da Advocacia.
Um Estado democrático de Direito, por definição, pressupõe uma base legal que o sustente, e, portanto, deve esse Estado manter-se constantemente preocupado com o ensino de qualidade comprometido com a democracia e com a justiça social, num sentido mais amplo.
Se temos desafios pela frente – e são muitos – este é, talvez, o mais grave. Sim, porque está em xeque não apenas um serviço individualizado deste ou daquele advogado, mas de todo o Direito.
É certo que um ensino jurídico não qualificado compromete a formação dos operadores do Direito e que um advogado preparado é sinônimo de uma Justiça melhor. Atualmente, há mais de mil Cursos de Direito no Brasil, e devemos reconhecer que o descompasso entre a qualidade do ensino contribui para desmerecimento das profissões jurídicas como um todo.
Mas também é certo – e aqui reside a responsabilidade da Ordem dos Advogados do Brasil – que após o bacharel obter o seu certificado e ter sido aprovado no Exame de Ordem, a questão em torno do ensino jurídico passa a ser de todos nós.
É neste ponto que cresce em importância o papel da OAB no sentido de criar instrumentos que ensejem uma permanente e eficiente capacitação de seus inscritos, dando a eles condições de conhecimentos que permitam transformá-lo no agente social de uma adequada postulação judicial.
A advocacia, para seu exercício pleno, exige conhecimentos, estudos permanentes, leituras diárias de doutrina, bem como a obrigatoriedade do acompanhamento dos fatos sociais.
Pois a Advocacia, além de ser um exercício de aprendizado constante, possui uma missão da qual jamais podemos nos afastar, atrelada à paz social. Tenho repetido que a Ordem, para cumprir a sua tarefa de defesa da Advocacia, deve transcender as suas rotinas e preocupações corporativas. Ao assumir a responsabilidade de defender a sociedade, a Ordem está defendendo a Advocacia e, portanto, a Justiça.
Vista assim, a OAB precisa de advogadas e advogados preparados à altura da missão que os aguardam. No que se refere à qualidade do ensino, devemos sempre lembrar, nós é que provocamos essa discussão, quando denunciamos a proliferação indiscriminada de cursos e a precariedade intelectual que muitos deles apresentam. Mas sempre deixando claro: não somos contra o ensino; somos contra o mau ensino jurídico.
Infelizmente, muitas dessas instituições continuam a cometer um verdadeiro estelionato educacional. O jovem pobre que com muito sacrifício freqüenta uma faculdade paga, muitas vezes se deslocando de uma cidade para outra, quando termina o curso e se submete ao Exame de Ordem ou a um concurso, é reprovado. Ou seja, no final ele verifica que tem um diploma na mão, mas que não vale nada.
Mesmo os que conseguem ultrapassar a barreira do Exame de Ordem sofrem dificuldades, decorrentes de uma formação universitária sofrível. Há muito a OAB exige um basta a esse mercantilismo educacional.
Não estou generalizando, pois há exceções, claro. Mas esse quadro preocupa e em razão de seu alcance é que, reiteradamente, fazemos questão de trazê-lo ao debate.
Principalmente porque, de uma forma ou de outra, nos afeta. A profissão de advogado é como um sacerdócio: recebe elogios, mas também críticas. Contudo, é a única que consta em nossa Constituição Federal como um dos pilares da Justiça.
Desde a sua base, quem escolher essa profissão deve ter consciência que a atuação do advogado é pautada nos princípios da legalidade e da moralidade. O advogado age como meio, e não como fim, na intermediação entre o jurisdicionado e a Justiça. É comprometido com a honestidade, a humildade e a ética, dominando o conhecimento profundo das leis e sua interpretação.
Traço aqui uma linha para citar as palavras do Dr. Ives Gandra Martins, segundo as quais “o Direito é a mais universal das aspirações humanas, pois sem ele não há organização social – e o advogado é seu primeiro intérprete”. Palavras que nos remetem a outra máxima, que julgo apropriada num evento como este:
“SEM ADVOGADO, NÃO HÁ JUSTIÇA. E SEM JUSTIÇA, NÃO HÁ DEMOCRACIA”.
Senhoras e Senhores,
Tudo isso seria desnecessário dizer se não agregássemos algumas considerações sobre o novo panorama do ensino jurídico brasileiro. A rápida evolução na tecnologia de informação nos permite ter acesso a técnicas inimagináveis há poucos anos, tudo a influenciar diretamente os métodos de aprendizado, haja vista a possibilidade do ensino a distância.
Então, de repente, a Advocacia se viu envolvida em novos parâmetros, novos conceitos e novas exigências, que, infelizmente, a maioria dos cursos não possui condições de proporcionar.
No mercado de trabalho, o advogado “profissional liberal” passou a ser visto como uma figura romântica, diante da presença do advogado empresário, que não se limita à defesa de teses jurídicas, voltando-se também para a gestão da atividade.
Se o profissional liberal de antigamente se destacava pelo seu potencial jurídico, seu poder de convencimento e altivez junto aos poderes públicos, o advogado empresário, além dessas qualidades, deve demonstrar capacidade estratégica e eficiência na forma como conduz administrativamente seu próprio escritório.
Essa transformação nos leva a refletir se, vista por um prisma meramente empresarial, não estaríamos entrando em conflito com o próprio Estatuto da OAB, cujo enunciado a que me referi no início deste pronunciamento confere múnus público à Advocacia, pela sua essencialidade à administração da Justiça.
Aqui, adentramos uma nova fronteira, na qual os cursos jurídicos de qualidade assumem grandes responsabilidades.
Não podemos ignorar, a essa altura, a presença cada vez maior de grandes escritórios estrangeiros atuando em nosso território, e outros tantos buscando associar-se a bancas nacionais para atender demandas transnacionais. Nos Estados Unidos, as “Law Firms”, formadas por advogados, ostentam estruturas que superam até mesmo a de grandes empresas mercantis.
Contudo, estaríamos preparados para copiar esses modelos ou simplesmente fadados a ser tragados por eles?
Desde a década de 1990, quando a OAB deu os primeiros passos com vistas a adequar o ensino jurídico à nova realidade criada pela Constituição de 1988, que resultou nas diretrizes curriculares definidas pelo Conselho Federal de Educação, ainda estamos discutindo a sua eficácia.
Mas dúvida não há sobre a necessidade de inovar para acompanhar as novas demandas sociais e integrar o ensino jurídico à comunidade a quem, afinal, ele serve. Ao mesmo tempo, deve-se proporcionar ao advogado, não penas conhecimento técnico das leis, mas uma compreensão mais profunda de uma sociedade de valores múltiplos, contrastante, multirracial, de incontáveis credos, mas unida pelo sentimento da solidariedade e da justiça.
Quanto mais o tempo passa, mais essa transformação se faz presente, mais precisamos discutir e mais precisamos agir.
Bons e profícuos debates!
Muito obrigado.”
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