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quarta-feira, 20 de junho de 2012

Preciosa decisão

Extraída do http://www.gerivaldoneiva.com/2012/06/avioes-e-mulas-nao-sao-traficantes-mas.html

Portal/blog do Magistrado Gerivaldo Neiva que brilha e enobrece a judicatura com seus trabalhos.

 

Processo Número: xxxxxxxxxxxxxxxx

Preso em flagrante: xxxxxxxxxxxxxxx

Um jovem, “avião” ou “mula” do tráfico, que vende algumas pedras de crack, que por vezes também usa, não é o traficante que vai “solapar ou corroer a estrutura da sociedade”; não é mantendo encarcerados esses excluídos das oportunidades sociais e dependentes do crack que a “justiça” vai garantir sua credibilidade. Pedido de decretação de prisão preventiva indeferido.

“São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.” (Constituição da República, artigo 6º).

xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx, brasileiro, maior, sem profissão, nascido em 15.12.1993 (18 anos de idade), residente nesta cidade na Travessa Senhora Santana, s/n, bairro Pampulha, ao lado do bar de Zequinha, foi preso em flagrante por policiais militares desta cidade por ter sido encontrado com “uma pedra grande e mais cinco pedras pequenas de crack”. Ouvido pelo Delegado de Polícia, o preso alegou que “não vende drogas, apenas é usuário”.

Com vistas, a ilustre Promotora de Justiça requereu a prisão preventiva do acusado por motivo de garantia da ordem pública. Alegou a representante do Ministério Público “que o delito de tráfico de drogas inclui-se entre os crimes que ofendem a incolumidade pública, especialmente a saúde pública, visto que o tráfico de drogas coloca em risco um número indeterminado de pessoas, cuja saúde, incolumidade física e vida são expostas a uma situação de perigo”.Para fundamentar seu requerimento, citou Fernando Capez: “a disseminação ilícita e descontrolada de entorpecentes pode levar à destruição moral e efetiva de toda a sociedade, solapando suas bases e corroendo sua estrutura” e que, por isso mesmo, “a prisão cautelar é decretada com a finalidade de impedir que o agente, solto, continue a delinquir, ou de acautelar o meio social, garantindo a credibilidade da justiça”.

Não concordo com o pedido e nem com a fundamentação adotada pela ilustre representante do Ministério Público. Primeiro, um jovem pobre, com 18 anos de idade, residente no periférico bairro da Pampulha, que vende ou usa algumas pedras de crack, “mula” ou “avião” do tráfico, não é o traficante que vai “solapar ou corroer a estrutura da sociedade”. Na verdade, não passa de mais uma vítima de um modelo de sociedade excludente e desigual e que abandona sua juventude como “nóias” errantes pelas “cracolândias” da vida. Segundo, exercício de futurologia não é tarefa do juiz para lhe dar a certeza que o “agente, solto, continuará a delinquir”.Finalmente, não é mantendo encarcerados jovens pobres, dependentes do crack, excluídos das oportunidades sociais, utilizados por grandes traficantes para distribuição de sua “mercadoria”, que a “justiça” vai garantir sua credibilidade.

Não, não são os “mulas” e “aviões” que ameaçam a estrutura social, mas o modelo que privilegia o lucro e o consumismo desenfreado em detrimento da distribuição de renda e do desenvolvimento de políticas públicas voltadas para o oferecimento de educação de qualidade, saúde, lazer, cultura, emprego e renda aos jovens pobres das periferias desta cidade e deste país, relegando ao abandono sua juventude e lhe castrando sonhos, permitindo-lhes, por fim, que sejam cooptados pelo tráfico para distribuírem sua “mercadoria”.  Da mesma forma, a incolumidade pública e a saúde pública não serão ofendidas por “mulas”e “aviões” do tráfico, mas pela ausência de políticas públicas eficientes destinadas aos jovens que já se tornaram dependentes químicos e vagam a esmo sem esperanças pelos becos sem saída da vida. Finalmente, a Justiça vai garantir sua credibilidade exatamente quando fizer valer, a todos os responsáveis por este abandono, o mandamento constitucional de erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais. (art. 3º, III, CF).

Por fim, retornando aos fatos que ensejaram a ação policial e o requerimento do Ministério Público, foram poucas pedras encontradas em poder do acusado e pode até ser que, de fato, estivesse o mesmo com o intuito de vendê-las por alguns reais, mas ainda assim – somente por isso – não vejo presentes os requisitos ensejadores da decretação de sua prisão preventiva por motivo de garantia da ordem pública. Além disso, trata-se de acusado primário, sem antecedentes, endereço nesta cidade e, portanto, sem qualquer motivo de ordem pública ou processual para mantê-lo encarcerado.

Expeça-se o Alvará de Soltura e dê-se ciência ao MP.

Conceição do Coité, 19 de junho de 2012.

Bel. Gerivaldo Alves Neiva

            Juiz de Direito

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