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segunda-feira, 5 de março de 2012

Erro judiciário e a condenação de advogado por homicídio que nunca existiu

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IPC LFG de admin


O advogado Aldenor Ferreira da Silva foi condenado a 24 anos de cadeia pelo sequestro, extorsão e assassinato de um homem ocorrido em 22 de julho de 1980, na área rural de Sobradinho (DF). Mas, na tarde da última segunda-feira (9/11), cinco desembargadores do TJ do Distrito Federal e Territórios reconheceram o erro histórico. Nunca houve tal homicídio.

O homem dado como morto em 1980 tinha sido preso em São Paulo, em 1995. Portanto, estava vivo, 15 anos após ser declarado vítima de homicídio pela Polícia Civil do DF, responsável pelo inquérito que resultou no indiciamento, na condenação e na prisão do acusado. As informações são do Correio Braziliense, em texto do jornalista Renato Alves.

A novela que tem o advogado Aldenor da Silva, 65 anos, como protagonista começou em julho de 1980, quando ele ainda era detetive particular. Aldenor conta que o dono do escritório onde trabalhava o convocou para ir a Anápolis (GO) com um desconhecido. O trio seguiu no carro de Aldenor até a casa de José Augusto da Cruz Lima, acusado de roubar uma Variant II. “Ele concordou em ir a Brasília, mostrar o comprador do veículo”, conta Aldenor. O quarteto chegou à casa de um fazendeiro, na Fercal, em Sobradinho, onde estava o carro.
Segundo o ex-detetive, o fazendeiro concordou em devolver o veículo ao dono, desde que recebesse o dinheiro de volta. José Augusto comprometeu-se a arrumar a quantia e foi, então, levado à Delegacia de Roubos e Furtos de Veículos, onde registrou-se ocorrência do roubo da Variant II. Ninguém prendeu José Augusto porque não havia flagrante. Ele responderia ao processo em liberdade.

Um mês depois, Aldenor foi chamado à Delegacia de Homicídios, no DPE. “Um delegado falou-me da morte de José Augusto. Disse-me que eu estava ali como testemunha”, lembra o antigo detetive. O delegado lhe contou que um corpo já em decomposição havia sido encontrado na área rural de Sobradinho. A suposta viúva reconheceu que as roupas do cadáver eram “parecidas” com as que José Augusto vestia momentos antes de ser dado como desaparecido.

Passados 15 anos do suposto crime, um juiz de Sobradinho (DF) condenou Aldenor e o antigo patrão pelo sequestro, extorsão e assassinato de Augusto Lima. Ambos recorreram da decisão em liberdade.

Em 18 de agosto de 2004, já exercendo a Advocacia, Aldenor foi ao DPE acompanhar o depoimento de um cliente. Um policial identificou no computador um mandado de prisão contra o advogado. “Para mim, o processo estava em fase de recurso, no Supremo Tribunal Federal”, alega. Aldenor acabou preso.

O acusado ficou detido por um ano e sete meses, até ganhar liminarmente a liberdade condicional por decisão, em habeas corpus, da 1ª Câmara Criminal do TJ-DFT. Desembargadores se convenceram de possíveis falhas no processo que condenou o ex-detetive particular.

Anteontem julgando o mérido da questão, cinco dos sete desembargadores concluiram que não há dúvida sobre a injustiça contra Aldenor. “Houve um erro judicial lastimável”, afirmou o desembargador Sérgio Rocha, relator do caso.

Além da comprovação de que a suposta vítima estava viva quando a Justiça condenou Aldenor, Sérgio Rocha ressaltou outras falhas: “no processo, não há atestado de óbito nem laudo de exame cadavérico”.

Após cinco votos favoráveis ao acusado, um dos desembargadores pediu prazo para analisar o relatório de Rocha. Ele e o outro colega não duvidavam da ausência de homicídio, mas queriam examinar a acusação de extorsão. A Câmara volta a se reunir no dia 23, quando sai a decisão final.

OAB diz que “erro crasso da Justiça mostra que Brasil não pode aplicar pena de morte”

O presidente nacional da OAB, Cezar Britto, criticou ontem (10), de forma veemente, o que chamou de “erro crasso” do Judiciário do Distrito Federal, que colocou injustamente um advogado na prisão e o condenou a 24 anos de reclusão pela morte de um homem que apareceu vivo após a condenação.

Esse exemplo – segundo Britto – “demonstra cabalmente que não se pode defender a aplicação da pena de morte no Brasil”.

O presidente da Ordem disse mais que “colocar um ser humano no sistema carcerário, restringindo o seu direito à liberdade, submetendo-o à humilhação, tendo sido condenado pela morte de uma pessoa que está viva, atesta que a Justiça deste País não está preparada para examinar e aplicar a pena de morte”.

O caso, segundo o presidente da OAB, “serve de alerta para mostrar que o Judiciário ainda comete erros graves e que o mesmo se dá quanto ao sistema de investigação, uma vez que, quando da investigação desse homicídio, a polícia afirmou que havia alguém morto”.

Para Britto, a partir desse episódio, também se deve intensificar a luta pela melhoria do Judiciário brasileiro, com melhor aparelhamento, mais juízes, mais servidores e mais estrutura de investigação para a Polícia. “Também vamos intensificar a nossa posição contra a pena de morte e contra o endurecimento da pena como única forma de combater crimes”, acrescentou.

“Me senti um Fernandinho Beira-Mar” – recorda o advogado condenado por engano

Por 24 anos, Aldenor Ferreira da Silva escondeu da família a batalha que travava para provar sua inocência na acusação de sequestrador e assassino. Poupava os seis filhos por acreditar piamente na absolvição dos crimes, supostamente ocorridos em 1980.

O segredo veio à tona em 18 de agosto de 2004, quando, do balcão de entrada do Departamento de Polícia Especializada, um policial avisou: “doutor, há um mandado de prisão contra o senhor”. A partir de então, o advogado viu a vida ruir.

Ainda no balcão, Aldenor foi algemado, levado para exame de corpo delito no Instituto de Medicina Legal e, em seguida, colocado em uma cela no DPE com mais de 40 presos comuns. Dois dias depois, o advogado estava trancafiado no cubículo traseiro de um carro da Polícia Civil, a caminho do Complexo Penitenciário da Papuda. “Me senti um Fernandinho Beira-Mar. Nunca vi tantos policiais, carros, armas pesadas e sirenes ligadas”, recorda.

Mas a pior cena que não sai da cabeça de Aldenor é a chegada ao presídio. “Ali vi o que teria de enfrentar. Logo de cara, um agente gritou, sarcasticamente: ‘tá chegando mais ladrão, seja bem-vindo’”, conta.

Assim como o acusado, os parentes dele enfrentaram os constrangimentos no presídio. “Era duro para todos passar pelas revistas íntimas, as humilhações e ver o meu pai preso, mas sempre acreditamos na inocência dele”, lembra Bruno Almeida da Silva, 24 anos, o filho mais novo.

Bruno também não esquece como a rotina de todos da família mudou com Aldenor preso. “Para pagar os advogados, meu pai teve que vender o carro e a nossa casa, onde todos foram criados, cresceram. Nos fundos do lote, também morava a minha avó”, lembra.

A família Ferreira da Silva morava no Gama e continua a viver na cidade. A história do pai quase fez o caçula largar o curso de Direito, que havia começado antes da prisão de Aldenor. “Quando ele me explicou tudo, bateu uma revolta muito grande, uma descrença na Justiça”, comenta o recém-formado advogado.

Aldenor não dá a luta como vencida. “Meu nome continua sujo. Nos arquivos de vários órgãos, ainda sou um assassino e sequestrador. Não cometi nenhum crime, nem o de extorsão.” O advogado dele, Jason Barbosa de Faria, já estuda um pedido de indenização. “Aí é outra guerra longa, pois a ação será contra o Estado”, adianta.

Faria e Aldenor não falam em valores. “Não há dinheiro que pague o que eu passei, o que a minha família passou. Só suportei tudo isso por conta dos meus filhos e a minha mulher, que se mantiveram firmes ao meu lado”, desabafa. Agora, Aldenor diz querer trabalhar, reconquistar os clientes perdidos nos quase dois anos preso. “Preciso pagar dívidas, ajudar a minha mulher, uma professora aposentada que assumiu as finanças da casa quando estive preso.”

OAB – Maranhão

Revista Jurídica Netlegis

Fonte: Dietrich Advogados Associados

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