Quatro advogados foram condenados por litigância de má-fé e tiveram seus nomes encaminhados à OAB-SP, por acusação de fazer parte da chamada indústria do dano moral. De acordo com sentença da 7ª Vara Cível do Fórum de Santo Amaro, na capital, os quatro foram responsáveis, juntos, por mais de mil ações idênticas de danos morais contra bancos ao longo de um ano.
Em todas as petições, pediam indenização por conta da inclusão de nomes de terceiros em serviços de restrição ao crédito, a exclusão dos nomes das listas e a exclusão das restrições a crédito dos clientes "nomes sujo". Alegavam também a inexistência da dívida. Em todas as ações, o acordo era de que os advogados ficariam com metade da indenização e a parte, com a outra metade.
Além de indiciados por má-fé, a juíza determinou que não seja concedido o pedido de Justiça gratuita e que eles devolvam o dinheiro gasto pelos bancos com as ações. Também determinou o envio dos autos para o Ministério Público e para as autoridades policiais, para analisar se as práticas dos quatro advogados devem ser enquadradas em tipos penais.
De acordo com a sentença, os advogados Mauro Bechara Zagari, Daniela Dalla Torre Martins, Juliana Dalla Torre Martins e Maria Angélica Pongilluppi Herbst conseguiam, por meio de terceiros, "clientes" com nomes inscritos em listas como Serasa, SPC e outras. Conseguiam procurações para entrar com as ações, pedindo sempre 50 salários mínimos — indenização que dividiam pela metade com os "clientes" e outras vezes dividiam o dinheiro com os "captadores" de clientes. Nem chegavam a gastar dinheiro com as ações, visto que sempre pediam assistência judiciária gratuita.
Todas essas ações foram levadas ao Foro de Santo Amaro. Segundo a sentença da juíza da vara, Adriana Borges de Carvalho, só o advogado Zagari tinha entre 400 e 500 casos em andamento no fórum. Daniela tem outros 500, Maria Angélica mais 100 e Juliana entre 70 e 80 ações. O próprio Zagari foi quem confirmou, em juízo, a sociedade entre os advogados, que trabalham no mesmo escritório.
As petições eram feitas contra bancos, como Bradesco, Itaú, Santander, entre outros. Quem apontou a enorme quantidade de ações idênticas foi o Bradesco, por meio do advogado Eduardo Ribeiro de Mendonça, do Ribeiro de Mendonça Advogados. Ele conta que percebeu a quantidade de intimações pelo mesmo motivo que recebia em nome do banco, e, num levantamento, descobriu as demandas textualmente iguais.
Em juízo, Zangari, um dos envolvidos no esquema, contou que as demandas eram divididas entre os sócios, pois ele já estava sobrecarregado. A juíza Adriana lembra que sociedades entre advogados são comuns, mas neste caso eram ajuizavam ajuizadas ações individuais, como se fossem de profissionais autônomos. A interpretação da juíza é a de que isso era feito para ludibriar o Poder Judiciário e conseguir perpetuar o golpe.
Uma testemunha contou que sua filha procurou Zagari para que resolvesse um problema com o banco. Ao consultar o Serviço de Automação Judiciária (SAJ), viu que sua ação era assinada por Maria Angélica. Relatos semelhantes foram colhidos, envolvendo as outras duas advogadas.
Nas palavras da juíza: "preambularmente, destaco que um elevado número de ações similares (mais de 1.000 ações somente neste Foro Regional de Santo Amaro) foram distribuídas neste último ano. Constatou-se que eram idênticos os pedidos formulados: declaração de inexistência da dívida, exclusão de restrição creditícia sobre o nome do demandante e condenação da ré em indenização por danos morais. Também ficou evidente que a fundamentação de fato utilizada era idêntica: todas alegavam o desconhecimento da parte-autora sobre a existência do débito que ensejara a negativação de seu nome. Até mesmo a formatação das petições iniciais se repetia, assim como estava padronizado o valor do dano moral pretendido (em regra, 50 salários mínimos). Digno de nota que em todos os processos, invariavelmente, foi pedida a assistência judiciária gratuita à parte-autora. Ante esses reiterados expedientes, emergiu de forma cristalina a atuação sistemática de advogados que atuavam em um mesmo escritório, mas se apresentavam de forma isolada nos autos, conforme abaixo se exporá."
A reportagem da ConJur procurou os quatro advogados acusados, mas nenhum deles atendeu aos telefones cadastrados na OAB de São Paulo — nem os fixos nem os celulares. Os telefones de Zagari e Daniela são os mesmos, e os de Juliana e Maria Angélica têm os mesmos prefixos.
O grupo se manteve em atividade durante mais de um ano, dada a dificuldade de se detectar esse tipo de movimento. O advogado Eduardo Mendonça explica que um banco realiza milhares de contratos por dia, e os advogados se aproveitaram disso. A própria juíza Adriana Borges de Carvalho conta, na sentença, que, ao ouvir as testemunhas, percebeu que elas sequer conheciam os advogados, e só foram vê-los já no fórum.
Clique aqui para ler a sentença.
Pedro Canário é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 12 de março de 2012
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