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quarta-feira, 7 de março de 2012

Não suporto mais cotas

Por Ethevaldo Siqueira em 06/03/2012 na edição 684

Reproduzido do Estado de S.Paulo, 4/3/2012

A questão das cotas criadas pela lei 12.482 interessa muito mais a nós, cidadãos, assinantes desse serviço, do que às operadoras de TV por assinatura ou aos produtores nacionais de conteúdos. Somos 42 milhões de brasileiros que pagam para ter opção, para ver algo exclusivo, diferenciado, segmentado, que não encontramos na TV aberta. Em quatro anos, seremos mais de 100 milhões. Esse é o critério em que me baseio para combater as cotas.

Somos, portanto, socialmente muito mais importantes nesse debate. E queremos que seja preservado nosso sagrado direito de escolha do que vamos ver na TV paga, sem interferência do Estado. Nossa liberdade como assinantes-telespectadores não pode ser condicionada a qualquer outro interesse, muito menos a critérios ideológicos, partidários ou corporativos.

Não queremos ser tutelados, até porque o maior valor a ser preservado nessa área é nossa liberdade, ou seja, o direito de escolher livremente, seja entre os filmes ou documentários do mais alto nível, seja entre os enlatados da pior qualidade ou os mais estúpidos reality shows, como, em geral, costumam ser.

Duas faces da lei

É claro que a lei 12.482 tem aspectos positivos, ao unificar a legislação setorial e promover a abertura do mercado. Mas, em contrapartida, criou coisas inaceitáveis como as cotas para produtoras nacionais de cinema e TV e conferiu à Agência Nacional de Cinema (Ancine) o poder de dizer o que podemos e o que devemos ver na TV paga.

O que aconteceu com a lei 12.482 é resultado de um velho vício do legislador brasileiro, que é desfigurar a maioria dos projetos com a inclusão de dezenas de emendas oportunistas e demagógicas. O projeto inicial, oriundo da Câmara dos Deputados, tinha apenas dois objetivos centrais: unificar a legislação de TV por assinatura e regular a entrada das empresas de telecomunicações (as teles) nesse mercado. Mas, acabou virando esse monstro jurídico, cheio de penduricalhos e emendas protecionistas.

O que os defensores das cotas (ou cotistas) deveriam levar em conta é que a TV aberta e a TV por assinatura são mundos muito diferentes. Enquanto a TV aberta exige regulação especial, mais rígida, por ser universal, gratuita e por utilizar um bem público finito e não renovável, que é o espectro de frequências eletromagnéticas, a TV paga, por sua vez, destina-se a um público muito mais segmentado, que paga para ver algo mais condizente com seu gosto e sua cultura.

A polêmica que se trava agora decorre da tentativa de normatização da lei pela Ancine, após a consulta pública que se encerrou ontem. Por isso, diante de uma ação do Partido Democratas (DEM) e de outras ações que deverão ingressar no Supremo Tribunal Federal, questionando a constitucionalidade das cotas, é preciso aprofundar o debate sobre o tema.

Cotas para tudo

O Brasil virou o país de cotas. A começar de cotas raciais – coisa que repugna a qualquer país civilizado. Essa política, entretanto, é defendida e preferida pelos cotistas e pela esquerda mais atrasada e míope que domina alguns segmentos do Executivo e do Legislativo do país.

Corporativistas, estatizantes e xenófobos, eles se dizem patriotas e defensores da cultura nacional. No entanto, nada os irrita mais do que ouvir a defesa do critério da qualidade, do mérito ou da competência nessa questão. Experimente dizer a um deles que esse critério é o melhor. Ele reagirá ficará furioso e xingará você de “reacionário, elitista, neoliberal e inimigo do produtor e da cultura nacional”.

Pessoalmente, tenho paixão por bons conteúdos nacionais. Mas, não quero ver xaropadas para ajudar produtores medíocres ou por razões ideológicas. O leitor sabe que os bons filmes não precisam de reserva de mercado nem de cota protecionista, como, por exemplo, Central do Brasil ou Tropa de Elite 1 ou 2.

Hoje, 70% dos assinantes veem mais canais abertos via TV paga do que os canais pagos de conteúdo específico. Ou seja, já privilegiam a cultura nacional.

O caminho certo

A melhor estratégia para se proteger legitimamente o produtor e o conteúdo nacional baseia-se em financiamento, fomento, incentivo, pesquisa, desoneração fiscal e educação, bem como patrocínios públicos e privados aos projetos de maior relevância.

O pior caminho, em contrapartida, é o da fixação de cotas compulsórias, com a reserva de fatias de mercado e espaços, equivalentes a três horas e meia de programação nacional por semana, em horário nobre. Ele enxerta produções nacionais nas grades dos diversos canais, sejam eles ou não de boa qualidade. Não há qualquer critério de mérito nessa inclusão.

A nova lei confere à Ancine o poder de definir o que é o horário nobre para uma emissora de TV paga. E até de punir os canais que não seguirem suas determinações. A nova lei amplia os poderes legais da Ancine e dão a essa agência a incumbência inconstitucional de regular conteúdos e a programação dos diversos canais de TV por assinatura.

Pior ainda: nem a Ancine, nem o Ministério das Comunicações, nem os cotistas dão uma única palavra sobre os canais abertos comerciais alugados, ilegalmente, em tempo integral ou parcial, a igrejas de todas as confissões, muitas delas pedindo dinheiro a cada minuto.

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[Ethevaldo Siqueira é colunista do Estado de S.Paulo]

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